Tio Carlos descansou

José Tafla · May 5, 2013

Eu não sabia que ele estava doente. Mesmo que soubesse com muita antecedência, não sei se um dia estaria suficientemente preparado para a notícia.

O fato é que soube meio em cima da hora, com pouco tempo para planejar e me preparar. Ele teve câncer, que evoluiu de forma muito rápida. Até onde eu saiba, da hora que foi detectado até o momento final, passaram-se apenas algumas poucas semanas.

Às vezes acho melhor assim. A perda para a família é irreparável. Como passei por isso mais de uma vez, sei o quanto é dolorido. Por outro lado, de que adianta prolongar? Se houvesse uma certeza de cura, talvez, mas quem passou por isso, seja do lado do paciente ou do familiar, sabe que o mais importante é aliviar a dor e minimizar o incômodo.

Continuo afirmando o mesmo: não consigo me preparar o suficiente para a notícia, seja de imediato, seja anos à frente.

Nessas horas, há que se contar as bençãos e agradecer as venturas.

Bençãos eu tive muitas. Isso, sim, não tenho como negar. Em primeiro lugar, a possibilidade de viajar. Felizmente eu tinha dinheiro suficiente para a viagem. Se meu dinheiro não puder ser usado naquilo que é importante, então para que ter dinheiro? Além do que, dinheiro vai e dinheiro vem. Também sou extremamente grato a todas as pessoas que fizeram a viagem possível, desde a saída de Pittsburgh, passando pela estadia em São Paulo, até a volta a casa.

Teria sido bom se minha mala tivesse chegado antes. Quem sabe eu teria chegado a tempo para o velório. Pelo menos, a mala chegou. O trânsito nas Marginais teria sido de grande ajuda, também. Paciência… O bom é que cheguei a tempo para o enterro.

A grande honra ainda estava por vir: a reza noturna!

Muitos anos atrás, quando a Vó Ida (minha avó materna) faleceu, minha mãe me pediu que conduzisse a reza. Eu não conhecia as preces, nem muito menos sabia como rezar, mas ainda assim fui em frente. Prometi a mim mesmo, todavia, que nunca mais passaria por uma dificuldade dessas. De fato, ao longo dos anos fui estudando, aprendendo e aprimorando.

Na primeira noite, enfim, apesar dos percalços e dos erros, tivemos uma reza. Na segunda noite a reza foi ainda melhor. A terceira noite foi igualmente boa e, como seria minha última noite, resolvi incluir uma prédica.

Gostaria de abusar um pouco da honra que me foi dada e dizer algumas palavras.

Alguém já disse que o judaísmo é uma religião muito inteligente; eu assino embaixo. Basta perguntar a qualquer rabino ou estudioso e ele vai explicar porque. Como não sou nem um nem outro, apenas um diletante, só posso responder com exemplos.

O melhor exemplo é o que está aqui, diante de nós todos: vocês! Durante uma semana, todos vêm aqui para confortar a família, inclusive a família estendida, mas principalmente Tia Paulina e meus primos Sidney, Cláudio e Beto. Todos vêm aqui dizer coisas boas e relembrar os momentos agradáveis passados com o Tio Carlos. O número de pessoas presentes aqui esta semana mostra o mais importante: como ele era querido e respeitado. Para muitos de nós, esta é a memória que vamos guardar conosco.

Ao final deste ciclo, a vida volta ao normal. É isso o que menciona a Parashá desta semana.

Esta semana temos uma Parashá dupla: Behar e Behukotai. Behar fala, entre outros assuntos, sobre a Shemitá, o ano sabático. O exemplo descrito na Torá é que devemos plantar e semear a terra durante 6 anos; devemos, também, dar a ela descanso no sétimo ano, no qual não plantamos nem semeamos. Repetimos isso 7 vezes e, no ano seguinte ao sétimo sabático, que é o ano 50 ou do Yovel (jubileu), também damos descanso à terra.

Nos dias de hoje, entretanto, isso nem sempre é possível. Nem todos podemos deixar nossas responsabilidades profissionais de lado durante o ano sabático, portanto não somos nós todos que podemos nos permitir ter um ano sabático.

O que significa a Shemitá, então, para nós, aqui e agora? Significa que, ao longo de todos estes anos, usufruímos da companhia física do Tio Carlos mas, agora, chegou a hora de dar-lhe descanso. Assim como a Torá permite que, mesmo no ano sabático, possamos nos alimentar daquilo que a terra nos dá expontaneamente, também poderemos usufruir da companhia espiritual do Tio Carlos.

Mais cedo ou mais tarde o ano sabático acaba. Quando acabar este nosso sabático, cada um de nós se reencontrará com o Tio Carlos no Olam HaBá.

Gostaria de, mais uma vez, agradecer a honra que me é dada e terminar com um pensamento: “Se quer fazer os outros felizes, faça bondades; se quiser ser feliz, faça bondades”.

Descanse em paz, Tio! Nós que aqui ficamos vamos tomar conta de tudo.

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